segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A melhor refeição Argentina - Conto

A respeito da Expedição Patagônia Norte não consegui escrevê-la como um relato detalhado, ainda estou digerindo a viagem. Porém, fiz um conto sobre um pouco das experiências dessa viagem.

A melhor refeição argentina – Conto – Cleber Sousa Teixeira - Outubro de 2014

– Moça, moça. Você não vai me contar histórias hoje?
– Já estou indo Seu Antenor – respondeu a jovem enfermeira.
– Adoro ouvi-las, me fazem viajar. Ao invés de dormir, desperto...
– Pronto, cá estou. Aqui a jarra e os copos. O tempo está muito seco e precisamos nos hidratar.
– Então levanta um pouco a cabeceira da cama, por favor.
– Assim, ou mais um pouco?
– Opa! Isso. Assim está bem.
– Onde paramos, deixa-me ver – folheando uma caderneta de capa há tempos puída. – Ah, sim, estamos na parte das viagens. Certa vez o viajante resolveu fazer uma travessia, se inspirara no navegador Amyr Klink e falou: “Para atravessar o Oceano ele fez um barco a remo simples e marinheiro; eu também farei uma travessia, só que por terra, cruzarei a América, do mesmo Atlântico ao Pacífico, só que de bicicleta.”.
– Nossa, um veículo tão frágil, uma bicicleta!
– Pois é, entre o desejo e a realização foram prazerosos oito anos. Com a ajuda de seu primo Tatu, aprendeu a pedalar uma mountain bike, primeiro em sua cidade, depois as vizinhas, seu Estado, o Estado vizinho; a evolução era gradual, cruzou países na Europa e na América, mas ele considerava isso apenas um preparo, pois nesses locais ele sempre contava com uma infra-estrutura turística com restaurantes e pousadas; na sua travessia continental não poderia contar com isso – ele se ajeitou como podia na cama, ela logo o ajudou. – O viajante tinha lá suas responsabilidades: dois filhos e uma carreira, a fonte financeira de seus desejos de viagens. Logo, pesquisava e planejava o quanto podia para não gastar muito e principalmente voltar vivo de suas andanças. Apesar de viajar só, ele sempre dizia que “apenas aparentava estar só, mas estava com Deus e as pessoas boas que encontrava no Caminho”. O projeto dessa travessia teve várias pegadas e os quatro meses anteriores a viagem foram de muita dedicação, que resultou em um guia personalizado resumido em setenta páginas, com mapas, escalas altimétricas, muitas atrações e riscos a correr. Ele buscou um trecho possível de percorrer em no máximo vinte dias de pedal, além de que também fosse o menos turístico possível, logo escolheu o Norte da Patagônia como destino.
– Ai, ai, ai. A Patagônia!
– Certa vez ouviu falar dos fortíssimos ventos patagônicos e teve a infeliz notícia de que pedalaria contra eles, abateu-se e arquivou o projeto por dois anos.
– Não me diga que ele desistiu?
– Calma, calma. Ele apenas estava cego e não via o óbvio. Numa noite, correndo em volta a um campo de futebol, ouvindo Ramones, Metalica, Guns e afins, a brisa leve no rosto e a frase I believe in miracles no fone de ouvido o iluminou. Mudaria tudo no projeto “se não posso contra o vento, vou a favor dele.”, pensou.
– Como assim?
– Ele inverteria a travessia, a “Expedição Patagônia Norte - do Pacífico ao Atlântico” tomaria seu rumo definitivo.
– E aí, conta logo, como foi a viagem?
– Então beba meio copo d'água. Vamos lá, eu lhe ajudo, também vou tomar. Isso Seu Antenor, muito bem!
– Agora conta – cobrou-a tendo os lábios ainda molhados.
– Está bem. O mês escolhido foi fevereiro. Equipamentos em ordem, passagens compradas, férias acordada, pronto, num sábado ao entardecer ele via magicamente a então rosada Cordilheira dos Andes, era sua primeira vez, estava emocionado embaçando a janela do avião. Dormiu no chão do aeroporto. No outro dia, uma rápida conexão à Puerto Montt, cidade de colonização alemã com uma mescla de charme e perigo portuário. De lá, embarcou em um ferry boat noturno à Chaitén – o rosto ansioso do ancião proclamava pela continuidade, ela atenta, embalou na narrativa já decorada. – Chuva fria, montanhas geladas, pedras e asfalto escorregadios. Saiu da barca empurrando a carregadíssima bicicleta, quarenta quilos de bagagem, mais dez litros de água, fora os quinze quilos que o viajante levava de lastro “gordural”, ele era vidrado numa cervejinha. Com dificuldades, encostou seu pesado camelinho no barranco. Pegou um pequeno frasco plástico, aqueles de guardar remédios líquidos, desceu para a primeira coleta: um tantinho de águas do Pacífico. O vento inclemente quase fez de pipa mandada sua capa de chuva. Despediu-se do vilarejo e daquele Oceano rumo ao pé dos Andes. A estrada lisinha, as gotas que lhe cortavam o rosto, caminhonetes, muitas delas a mais de cem por hora. Mesmo com um dia ruim, fez-se um belo dia feio. Um pouco antes da primeira cidadela do caminho, olhou à direita e assustou-se com um avião caído no meio do mato e com mato no meio. Achou que apenas passaria por essa cidade, mas a bicicleta quebrou o eixo e lhe faltou uma chave dezessete, precisaria de duas. Problema, que nada, um casal dono do parque privado apareceu, logo seus funcionários o ajudaram, dois chilenos e uma alemã que viajava de moto desde o Peru e ali parou para trabalhar. Seguiu viagem pela Carretera Austral, agora sem asfalto, sofreu, mas sofreu muito. A chuva criou muitos olhos na estrada de rípio, mas viu vulcões, lagos, glaciares e picos nevados. As subidas eram intermináveis e a parte chilena da expedição durou o dobro do previsto, quatro dias, “...tudo bem, a paisagem compensava.”, ele escrevera em seu diário. A parada mais importante da etapa argentina foi Esquel, cidadezinha toda quadriculada, tendo ao fundo montanhas que no inverno serviam de pista de esqui. O albergue internacional era ótimo, mas duvidavam que ele fosse capaz de fazer noventa e cinco quilômetros até Gualjaina. Logo de manhã, saiu da cidade e lamentou não ter visto de perto a maria-fumaça, que fora parte do antigo Expresso Patagônico e apitava nos trilhos à beira da estrada. Fez um pequeno trecho da mítica Ruta 40 e mesmo se perdendo um pouco, conseguiu chegar ao duvidado destino do dia, os trechos de asfalto definitivamente acabaram. Bem, mas antes, mais meio copo de água.
– Ah... mas acabei de beber.
– Não senhor. Já estou com a boca seca. Vamos. Eu lhe ajudo de novo – com manha ou sofreguidão, bebeu sem tirar os olhos dos olhos dela. – A próxima etapa foi dura, mas ele estava motivado, por sorte sua bicicleta só quebrou quando ele chegou a uma pousada de Piedra Parada, reduto de escaladores em rocha, lá há um cânion – seus olhinhos ávidos suplicavam por mais. – A roda dianteira partira ao meio, lá não haveria qualquer solução, o jeito seria voltar para Esquel. Como? Só de carona, o ônibus semanal partira naquela manhã. Relaxou, tomou uma Quilmes e montou acampamento. No outro dia, deixou parte da bagagem no local e foi hacer dedo na beira da estrada, o primeiro carro que passou, parou e o salvou; o levou até a cidade, lá resolveu tudo e voltou a dormir naquele albergue, onde comprovou que havia chegado ao destino, ainda assim, fora duvidado. Muito bem, parecia tudo resolvido, mas e agora como voltar? – os olhos de Seu Antenor pareciam que iram saltar, já sua boca diminuíra à metade. – Deu um pulinho para conferir de perto a relíquia ferroviária. Pegou um ônibus até Gualjaina, com três caronas e um par de horas de esperas finalmente voltou onde tinha parado a pedalada. Em Paso el Sapo, cruzou o rio Chubut, na exata metade do caminho, desse rio, coletou mais um frasco d´água. Gastre lhe fora muito hospitaleira, sentiria falta disso, pois a Ruta Provincial 4 seria duríssima. As pedras soltas do rípio eram asfalto perto das areias finas do deserto. A bicicleta deitava na estrada e ele quase sempre caía e se ralava. Um dia antes chegou a delirar com um refrigerante gelado em meio ao deserto, e não é que o Universo o atendeu, não só com o “refri”, mas também com um prato de macarrão em pleno deserto. A melhor refeição argentina! Tirando um dia que cantou “Maluco Beleza” do Raulzito e bebeu água de maneira que lhe escorria pela barba e pescoço, o deserto fora muito cruel com seu psicológico, sofrera muito com a dureza do caminho e a solidão. Sentiu falta de dividir tudo o que vivia com os seus. Ao todo, pedalou 1.015 quilômetros, alcançou seu objetivo e colheu a água do Atlântico também. Nessa viagem aprendeu coisas que demorou anos para entender.
– Cante um trecho dessa música. Posso beber água igual a ele?
– Claro. “... por esse caminho que eu mesmo escolhi...”
– “... é tão fácil seguir, por não ter aonde ir...” – com a água molhando sua camisa. – Agora me lembro, nunca havia me sentido tão livre quanto aquele dia.
– Eu sei vovô! Eu sei! Amanhã lhe falarei do Aconcágua.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Expedição Patagônia Norte - do Pacífico ao Atlântico

 Logo após eu voltar do Caminho de Santiago (a rota francesa que fiz a pé), em Julho de 2006. Enquanto conversa com meu primo Evandro ele me perguntou o que iria fazer depois daquela viagem.

Eu tinha acabado de realizar meu maior e mais importante sonho até aquele momento... sabia que passaria a pedalar a partir de então, tinha até comprado uma bike, mas meio sem saber direito o que responder e um pouco inspirado nas histórias de travessias do Amyr Klink entre outros relatos de viagens, disse que iria do Atlântico ao Pacífico de bike. Obviamente ele assustou!

Sem uma rota definida, coloquei essa ideia em minha mente... nas divagações e vislumbres da época, pensei até em um Ciclomercosul, já que estava desempregado... eram meros devaneios, inviáveis de se concretizarem.

No feriado prolongado de Corpos Crist de 2008, fiz minha primeira ciclo-viagem e gostei do negócio, era o Caminho do Sol. Nessa época havia lido e assistido sobre as viagens da Família Schurmann, onde a Heloísa dizia que para uma grande viagem, o primeiro passo seria marcar a data de saída. Marquei para 8/11/2008 a saída da tal “Expedição do Atlântico ao Pacífico”.

Não tive tanta determinação quanto àquela família. Não cumpri minha parte, cheio de contas a pagar, ao menos essa foi a desculpa que usei para mim mesmo na época. Na verdade eu estava com um p*ta medo.

Quando marquei a data da saída, contei 30 dias de férias, o trajeto inicial seria de Montevidéu, ou Buenos Aires, subindo em direção à Mendonza, Paso Cristo Rendentor, Santiago, Valparaíso no Pacífico. São mais de 1700 km.

Era utopia viajar da maneira que gosto (lentamente), um trajeto desses. Uma solução, baixar um pouco no mapa da América do Sul, quanto mais ao Sul, menor a distância entre os oceanos, mas também não precisaria ser lá na Terra do Fogo.

Foi durante esse ano de 2008 que surgiu a ideia de cruzar a Região do Chubut na Argentina, saindo da Península Valdéz, encarando o Deserto do Chubut, Cruzando os Andes até o Pacífico.

Comecei a estudar e traçar essa ideia e me acovardei. Não me senti preparado. Posterguei minhas férias de novembro para Janeiro de 2009 e fiz o lindo e difícil Caminho da Fé.

Voltei com mais confiança, e em 21 de julho de 2009 retomei o Projeto da Patagônia. A data de saída mais prudente, fins de 2010, início de 2011. O verão.

Em meio à confecção do projeto, certo dia, li ou ouvi em algum lugar dos ventos da Patagônia. Tive um gelo. Pesquisei, pesquisei e finalmente achei um mapa da Marinha Argentina. Meu projeto estava acabado. Eu teria que pedalar subindo rumo aos Andes e pior, contra o vento. Abortei o projeto.

Em 2010, fiz outro Caminho de Santiago, cumprindo duas autopromessas a mim mesmo: de fazer o Caminho novamente, de bike e de fazer o Caminho Português. Uma experiência muito rica para confecção de Projetos de viagens, execução e solução de problemas não previstos. O episódio da garupa quebrada em Coimbra, onde sem motivos me desesperei, com várias soluções da civilização foi uma lição clara de que realmente não estava preparado para a Patagônia.

Em 2011 eu voltaria a estudar formalmente após longos 9 anos de estudos alternativos. Sempre estudei e pesquisei, mas precisava investir um pouco na carreira normal, a financiadora de todos os outros sonhos e fui fazer uma pós-graduação em Controladoria e Finanças.

Antes porém, fiz mais uma ciclo-viagem, onde aumentei as dificuldades, era um circuito com apenas uma parte de infraestrutura para cicloturismo, o Caminho das Missões, já a parte Paraguaia e Argentina, seria no estilo Expedição, apesar de estar o tempo todo perto da civilização e de água. Tive que projetar todo o trajeto, descobrir o que ver, onde dormir, onde cruzar os Rios, alfândegas, etc. Descobrir os problemas com caixas eletrônicos, ficar em paz com problemas na bike, a garupa novamente, dessa vez a dianteira, mas dessa vez apareceu “La Solución”.

Ainda em 2011, no dia 17 de outubro, tive uma ideia de como salvar meu desejo de viagem entre um Oceano e outro. Ao invés de remar contra a maré, iria descer a favor do vento. Agora iria do Pacífico ao Atlântico, previsão de saída para Novembro de 2012 ou Fevereiro de 2013.

Contas a pagar, reforma da casa e problemas na Pós inviabilizaram o projeto para Novembro, já no final de 2012 não pretendia fazer a viagem em Fevereiro de 2013, no lugar seria feito o Caminho do Sol ou da Luz com o Mateus, cogitei até mesmo o Caminho da Fé com ele. Não fizemos nenhum deles.

Em seguida lesionei o menisco do joelho esquerdo. Problemas com o convênio. Operei em Julho de 2013. A recuperação foi rápida e em Outubro de 2013 já tive a boa notícia de poder voltar a treinar a partir de novembro de 2013. Foi um excelente trabalho do Dr. Rodrigo, meu brother e do pessoal da Fisioterapia Cajamar, o Eder, o Éric e a Kelly.

Nesse ano fiz um Curso de Gerenciamento de Projetos visando tanto no âmbito profissional quando no das Expedições. O curso foi excelente, mesmo quando mais amador, não estava muito longe do que diz a ciência dos Projetos.

Dia 15 de outubro, retomei o projeto. Convidei alguns amigos para ir junto, mas no final sobrou só eu mesmo. Mesmo numa viagem “só”, não me sinto solitário. Sempre existem pessoas boas pelo caminho! Gosto de ouvir e sentir as curiosidades do povo dos lugares por onde passo. Do modo simples de ser e viver de do orgulho que sentem de suas terras, de suas reclamações também.

Falei com o Marcos Paulo, meu chefe e fechamos que minhas férias serão em fevereiro de 2014 e que farei plantão durante as férias coletivas. Comprei as passagens.

Bem agora vamos falar um pouco desse tal Projeto:

EXPEDIÇÃO PATAGÔNIA NORTE – DO PACÍFICO AO ATLÂNTICO

HOJE SÓ FALTAM 33 DIAS PARA A VIAGEM!
Partirei em 1º de fevereiro de 2014, serão mais de 1300 km de Pedal!



Durante o Percurso terei as seguintes brincadeiras:

- o Pacífico (primeira vez);
- percorrer um trecho da mítica Carretera Austral;
- visão dos Andes nevados;
- visão de Vulcões;
- lagos Chilenos (dizem que tem cor azul-turquesa);
- subida dos Andes;
- conhecer um pouco mais da história do povo Mapuche;
- lagos andinos Argentinos;
- pequeno trecho da também mítica Ruta 40 argentina;
- Vale do Rio Chubut, ao lado de Canyons esculpidos pela água e pelo vento, repleto de sítios arqueológicos;
- salinas (El Molle);

- Maior desafio será o deserto do Chubut: serão quase 400 km e três pequenas cidades através de estradas não muito movimentadas por carros, cuidar da casa (barraca), da comida, da água, da saúde, da mente... aqui as noites devem ser muito bem estreladas, sonho muito com esse local não turístico!;
- finalmente: o Atlântico;

Por ultimo a Península Valdéz (300 e poucos km) de 4 à 5 dias. Atrações do local:
- diversidade muito rica, baleias, golfinhos, pinguineiras, focas, leões marinhos, lobos marinhos, salinas, mar gelado. A Península é a cereja do bolo.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Cicloturismo de Cajamar à Pirapora do Bom Jesus

Cicloturismo: turismo com bicicleta, mesmo que este seja na sua própria cidade.
No Turismo além de você passar pelo local, é interessante que se saiba um pouco da história de onde se passa.
Bem como considero Pedalar uma Máquina do Tempo, o texto a seguir tem um pouquinho disso, de histórias, causos, lembranças e pedal.

Devido ao acumulo de tarefas na vida pessoal fiquei um bom tempo sem sentir o bom vento no rosto que o pedal nos proporciona. Para mim, os anos de 2011 e 2012 foram fracos na bike. O que salvou foi que no início de 2011 fiz a ciclo-viagem da Rota das Missões e depois mais quase nada e em 2012 o único evento significativo foi a Rota Márcia Prado que fiz com o Mateus e amigos no final do ano.
Já nesse ano de 2013 fiquei um bom tempo sem pedalar, não mais por falta de tempo, mas sim por ter lesionado o menisco. Operei em Julho, o Dr. Rodrigo Marquez, meu Brother fez um excelente trabalho e o pessoal da Fisioterapia Cajamar também ajudou muito e logo em Outubro já podia pedalar bem de leve, fiz dois pedais de 10 km cada um.
Agora em Novembro eu poderia aumentar um pouco, mas deveria ser sem exageros. No dia da República, havia programado 25 km, sendo 10 km de terra e os demais de asfalto (muito mais fácil de pedalar); acabei fazendo 30 km, dos quais 27 km de terra e subidas. Surpreendentemente fui muito bem, senti uma fadiga muscular por falta de preparo, mas foi possível terminar o pedal sem empurrar a bike.
Dois dias depois, debaixo de chuva fui fazer a trilha do Japi, saindo e voltando para casa, foram 46 km. Um feliz pedal, tão feliz que nem lembrava que havia operado o joelho há pouco mais de quatro meses. A única prudência era pegar leve nas subidas.
O bichinho trilheiro começou a falar mais alto e eu queria ir para Pirapora (do Bom Jesus), cidade vizinha a minha e que adoro visitar. De Pirapora, lembro quando as romarias rumo a ela cortavam minha cidade (elas ainda cortam), eu achava que era em comemoração a um imaginário “Dia dos Cavalos” (Sic). Numa dessas vezes, meu irmão Becão foi até lá, ele não tinha motivação religiosa, mas como o dia do Bom Jesus coincide com seu aniversário, acho que quis comemorar de maneira diferente, lembro que de lá ele me trouxe uma calhambeque feito de lata, eu adorei o presente.  
A primeira vez que visitei essa cidade, foi durante minha primeira viagem “diferente”, foi quando fiz meu primeiro Caminho do Sol em 2004, na ocasião eu viajava a pé. Depois voltaria lá diversas vezes, novamente fazendo o Caminho do Sol em 2008 (dessa vez de bike), de Jeep, de carro, a pé (voltando de ônibus) e muitas vezes de bicicleta. A saudades de rever essa cidade (indo até lá de bike) foi mais forte que a razão da prudência e nesse sábado, 23 de novembro, não resisti e fui. Durante o caminho comecei a ver como tem história nesse trajeto e resolvi escrever.
A começar pela origem comum das cidades: Cajamar e Pirapora foram emancipadas de Santana do Parnaíba, o Berço dos Bandeirantes.  Pirapora já era um vilarejo desde 1730, cinco anos após ter sido encontrada a imagem do Bom Jesus que existe até hoje na Igreja da cidade, enquanto que o território de Cajamar era apenas um trecho por onde passava o “Caminho do Mar”, uma das supostas origens toponímica da cidade. Durante a segunda metade do século XIX, o Barão de Mauá, para distribuir melhor o café paulista, construiu a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, que provavelmente devido aos acidentes geográficos, desviava-se do antigo Caminho do Mar, na região da futura Cajamar. A cidade demorou a ser povoada e sofre consequências até os dias atuais. Na virada do século XIX para o XX, Pirapora já era destino de muitas romarias, época também que a Capela da cidade foi confiada a Cônegos Belgas.

Partindo do Centrinho de Cajamar, que tem pouco mais de uma dúzia de ruas passa-se por duas construções históricas: a escola de 75 anos “Suzana Dias”, homenagem à mãe e idealizadora dos Bandeirantes, a mulher responsável por tornar o país com território tão vasto com é hoje (a divisa de Santana de Parnaíba é: Brasil eu te fiz grande); e a Igreja de São Sebastião, construída após a promessa dos revolucionários da cidade terem saído com vida do conflito de 1932 (Revolução Constitucionalista).
Logo em seguida entra-se no bairro da Água Fria, região de exploração mineral até hoje. No início do século XX a cidade de São Paulo tornava-se uma Metrópole e para atender suas demandas de consumo, novas caieiras e pedreiras começaram a ser exploradas. As regiões do Gato Preto e da Água Fria eram ricas nesses minérios. Para escoar melhor essas mercadorias seria necessário criar uma ferrovia que ligasse a região à Estação de Perus da Santos-Jundiaí. Diz a lenda (ou seria realmente verdade) que o secretário (ou cargo equivalente) de transporte de São Paulo não queria permitir essa construção, mas era sabido que ele era muito católico, então foi lhe prometido que se a tal ferrovia fosse construída ela poderia levar os Romeiros de Perus à Pirapora, assim a concessão saiu. Pirapora nunca viu um dormente dessa ferrovia em seu território, o ponto final dessa linha eram as Pedreiras dos Pires (Água Fria) e uma ramificação oposta para o Gato Preto.

E.E. "Suzana Dias" tempos atuais 
(foto tirada em outra ocasião)


Igreja de São Sebastião - da década de 1930
(foto tirada em outra ocasião)

O distrito da Água Fria foi crescendo ao redor dessas indústrias de exploração. Em 1932 fundaram o clube de futebol Associação Atlética Cimentos Portland (AACP), o qual tive um avô (Santos Gomes) e um irmão (Lia) que jogaram nesse clube e por isso, logicamente, na cidade torço por esse time. Durante a década de 40 o distrito teve que mudar de nome por ser homônimo a um bairro de São Paulo, passando a chamar-se Cajamar. Nos anos cinquenta, o grupo J. J. Abdalla comprou o complexo de empresas que explorava a região e no final dessa década, três meses antes de Pirapora do Bom Jesus, o distrito tornou-se Município.
O jovem município de Cajamar foi forjado a pedra e fogo, em 1962 iniciou a Greve-Guerra, a Greve dos Queixadas, nome retirado de um porco-espinho que se defende com o próprio queixo. Na cidade, o agora bairro da Água Fria de Cajamar era o centro nervoso desse movimento que dividiu a população entre Pelegos e Queixadas. A greve utilizava-se dos princípios de não-violência de Gandhi e por isso atravessou a ditadura e veio ter seu desfecho somente em 1975. Diz à lenda que nessa época, em sua fuga o Ernesto “Che” Guevara dormira uma noite na sede do Portland (AACP).
Eu particularmente considero o bairro da Água Fria uns dos mais injustiçados da cidade, ainda hoje, século XXI faltam coisas básicas como calçamento descente nas ruas e saneamento básico. O desprezado bairro de origem de Cajamar, na década de 80 chegou a abrigar em escolas, casas e barracos grande parte dos moradores do Centro (Lavrinha), os refugiados do fatídico “Buraco de Cajamar”. A única coisa feliz que me recordo dessa época é que foi nesse período que aprendi a pedalar. Ganhara de meus pais anos antes, a bike mais linda que já tive: uma BMX Pantera da Monark. Deve ter custado muito caro para eles.
Todo esse trecho de história contado acima está localizado apenas nos primeiros 2 quilômetros de pedal. Que percorre um trecho leve de asfalto, outro de “asfalto no buraco” e depois, estradão com cascalho e pó de pedra. Logo após o antigo britador há o cruzamento de caminhões que veem da Pedreira dos Pires, passa-se reto e há uma curva seguida de uma bifurcação, que seguindo reto chega-se aos Teles, Vau Novo  e Fazendinha (Santana de Parnaíba) e virando a direita sobe-se pelas encostas “dos Pires” rumo ao Ponunduva.
A subida é revestida de cascalho, porém com grandes trechos que só há terra e erosões provocadas pelas enxurradas. Suave no início, mas na parte final, vira à direita e os batimentos sobem junto com a inclinação. A descida do lixão (antigo “aterro” sanitário desativado) é muito rápida perto do que subimos e ainda teremos que subir novamente. Quinze minutos subindo, e um minuto e meio descendo e subimos novamente mais uns oito minutos. Nessa hora um fusquinha vermelho passou voando por mim, ainda bem que eu estava bem no cantinho. No topo dessa subida saímos do município pela primeira vez. Nem todo mundo sabe, mas o trecho a seguir já é Pirapora. Uma empolgante descida, uma curva longa para direita, depois outra em forma de cabo de guarda-chuva à esquerda e segue-se por um falso plano, nesse trecho passa-se pelas ruínas de uma casinha que desde pequeno sei que nasceu minha tia Maria, mãe do Paulinho (hoje Paulão).

Ruínas da casa onde nasceu minha Tia Maria
(foto tirada em outra ocasião)

A moleza acaba logo ao chegar aos fornos de cal do Cacupé que resistem ao tempo. Esses fornos parecem torres de castelos (minha sobrinha Jaque diz que é o Castelo da Rapunzel).

Fornos do Cacupé - "O Castelo da Rapunzel"
(foto tirada em outra ocasião)

Após as torres tem a pior subida do trajeto de ida... não disse antes, mas estava chovendo desde o início do pedal e nessa hora a estrada de cascalhos soltos e mata fechada me lembrou as fotos que vi dos rípios das estradas da Patagônia, um bom treino... no final do monte ainda estava inteiro, alguns cachorros com preguiça só me olharam, veio uma escorregadia descida ao chegar no bairro do Por do Sol, lá embaixo, a direita escondidinha, uma mina d´água... antes de entrar vi o fusquinha atravessado na pista logo a frente, como já tinha gente por perto, fui buscar um pouco de água nova.

Cascalho molhado lembram os Rípios - 23/11/13

Uma das coisas que mais gosto de fazer num pedal é beber água direto da fonte! Ainda mais quando se sabe a procedência e qualidade da água (bem, acho que sei).
De volta pra estrada, a fusqueta não estava mais ali... um alívio, melhor, um ledo engano, cem metros depois estava o fusquinha vermelho no barranco... até tentei ajudar de uma maneira ou de outra, mas não deu para ficar muito tempo, eu poderia me machucar. Ao perder o embalo, a nova e curta subida virou um sabão, custei para empurrar a bike, tanto meus pés quantos os pneus da bike deslizavam comicamente. Não cai. Sai do lamaçal e fui tirar um pouco do barro dos freios (V-Break), pneus, câmbios, corrente e sapatos. O final dessa pequena subida é chamado de Cruz de Ferro, eu nunca vi essa cruz lá, mas tem um orelhão à esquerda e a direita é uma das subidas da Placa, que nesse momento estava entre as nevoas cor de cobalto.
Da Cruz de Ferro em diante a descida parece um grande tobogã até o trevo da Comunidade Merkabah Gurudeva (que as vezes visito), seguindo pela esquerda, passei direto pelo Bar do Zé (um bom ponto de apoio, não há lanches, mas há água e paçoquinha, (sic)). Na curva seguinte, parei numa poça de água mais ou menos limpa. Comi uma parte de meu lanche, e depois lavei como pude a bike, assim tirei o excesso de lama e segui viagem. Logo estava no Emílio, bairro rural que leva o nome do dono da maior propriedade de lá, aliás ali já é Pirapora novamente. Passa-se pela barragem do reservatório de água, que separa as águas mais ou menos limpas oriundas do Ponunduva das da barragem de Pirapora do poluído Tietê. Como o tempo estava ruim e ainda era cedo, o local estava vazio, nem sempre é assim, normalmente há banhistas entre outras coisas.

A represa do Emílio (Barragem)
(foto tirada em outra ocasião)

A partir desse trecho, se não fosse o cheirinho da represa do Tietê esse seria um dos locais mais pedalados da Grande São Paulo, o trecho é lindo, cheio de curvas e de altos e baixos bem suaves. Um pouco mais de 5 km depois, chega-se a uma região de chácaras e depois, a subida em degraus do final do trecho de ida. Esse trecho é gostoso de subir, normalmente canto a canção do Renato Teixeira imortalizada pela Elis, a parte que mais gosto é quando a música diz: “Como eu não sei rezar, só queria mostrar/ Meu olhar, meu olhar, meu olhar. // Sou caipira, Pirapora nossa... ”.
Nessa mesma subida, antes da avistar o centrinho de Pirapora, certa vez realizei um sonho inusitado de infância. Eu gostava muito de desenhar, eu fazia muitas paisagens com montanhas, certa vez, para enfeitar um pouco desenhei uns paraquedistas e “esqueci” de colocar o avião do qual saltaram. Não é que nessa subida meu desejo se realizou, eu via paraquedistas no céu e não via os aviões, depois fui descobrir que eles voavam de parapente, não paraquedas. A emoção daquele dia foi tão legal, que por mais que eu tente não consigo transmitir em palavras, acho que só tem sentido para mim que viveu aqueles dois momentos.
Bem no final do alto dessa estrada, do lado esquerdo não vemos, mas está a barragem, do lado direito uns dos vales mais bonitos que conheço e à frente: Pirapora do Bom Jesus.

Linda paisagem antes de Pirapora - 23/11/2013

 Uma descida de terra deliciosa, no final dela começa o asfalto, o Tietê ao lado mostra o lado negro da urbanização, a espuma flutuante do rio não é uma figura de linguagem da literatura é real, fétida, triste. O centro da cidade que a pesar da espuma branca do rio é todo colorido na sua margem, ao centro a igreja rosada, visualmente acima dessa, o monastério belga da Ordem dos Premonstratense (de São Norberto), também visualmente acima desse uma enorme cruz, a Cruz do Século, que desde o ano 2000 é de concreto, em 1900 era de madeira, a tradição dessa cruz no alto do morro da Capuava é desde essa época, mais ao alto que esse cruzeiro tem mais morro, muito mais morro e é de lá que os caras saltam de parapente. Já subi até lá de bike, mas não foi dessa vez que subiria novamente.
Cruzei a primeira ponte e virei à direita, nesse momento estou na rua por onde passa o Caminho do Sol, é muito legal ver as setas amarelas do caminho. Ainda nessa rua há um prédio verde onde o Samba Paulista nasceu. O carnaval de Pirapora é um dos mais antigos do Brasil.
No paço central, desci e comecei a empurrar a bike, nesse momento os sinos começaram a soar. Eu sei que foi a coincidência de chegar ao meio dia, mas parecia que os sinos soavam para mim.
Após a foto e um rápido lanche, achei que era hora de voltar para casa, dessa vez, não passei pela outra ponte que iria dar no Portal dos Romeiros que tem ao seu lado o mirante do Sol em forma de Espiral. Apenas bebi água da fonte da Igreja e me despedi da “Cidade dos Milagres”.

Igreja de Pirapora do Bom Jesus - 23/11/2013

A volta foi um pouco mais dura. Logo de cara aquela “descida de terra deliciosa” já não tinha mais o mesmo sabor, a subida é forte, mas curta. Descida em tobogã, a vila de chácaras, as encostas malcheirosas da represa, a barragem, o Emílio, uma subidinha que no final dela pode-se ver o morro da Placa, umas descidas e ufa, o Bar do Zé, não fiquei muito, tomei um refrigerante (sem culpa) e uma paçoquinha, pronto para a etapa final. Será?
As tão conhecidas subidas, tornam-se intermináveis, a primeira é leve, a segunda, mais ou menos leve, a terceira é o início da dureza, bem nessa hora senti que quebrei. Os músculos já não queriam obedecer, ai começa a negociação com o corpo “Olha, só até aquele poste... até aquela manchinha ali, os batimentos com altos e baixos...” e aquelas perguntas que meu racional faz para mim mesmo “Como é possível você gostar disso?”.
“É possível!”
Foi duro, mas depois de ver até carros penando para subir, me perdoei e segui feliz, porém cansadíssimo pedal daquele dia chuvoso de sábado.
Meu preparo físico ainda está capenga, mas aos poucos, moderadamente voltarei ao meu ritmo!

Ao todo foram 53 km, dos quais 49 km de Terra (com cascalho e lama).


quinta-feira, 10 de março de 2011

Missões Jesuítas em Terra Brasilis

Mais uma balsa me transportou de um país para o outro, mas dessa vez era para o meu país. Já cruzei outras fronteiras antes, mas essa tinha um sabor especial, no alto da alfândega tinha um enorme: "BEM VINDO AO BRASIL".
Cidades irmãs (ou hermanas) San Javier, na Argentina e Porto Xavier, no Brasil, são facilmente unidas pela balsa que cruza o Rio Uruguai. Nessa balsa cruzam até caminhões.
Engraçado reparar, como apenas uma simples fronteira provoca tantas mudanças rapidamente. O celular funcionando normalmente, botecos abertos, salgadinhos envelhecidos nas vitrines, acostamentos largos, maior circulação de veículos, etc., sem falar na língua. Mas foi justamente o problema da língua que mais me impressionou.
Em Porto Xavier fui pedir informações para um capiau e demorei para entender que língua ele falava, mas pasmei quando percebi que era Português mesmo. Ele tinha uma fala entrecortada cheia de caras e bocas que mais me lembrou o estereótipo do Mineiro, não Gaúcho. Consegui entender e sua informação foi muito útil.
Comi um "X", lanche que parece um beirute, servido no prato. Abasteci de água e fui para estrada.
Segui na BR-392, foram 17 km de uma longa subida e uma descida de 3 km até ver a sinalização: Pirapó 11 km!


Mar de soja à caminho de Pirapó e São Nicolau.


Era uma estradinha de terra em meio à plantação de soja. Com subidas e descidas leves. O problema foi que faltava água para reabastecer. Os três litros e meio que tinha não foi o suficiente frente o calor que fazia. Estava a apenas 4 km da cidade, pouco antes de cruzar o Rio Ijuí de balsa, quando a água acabou. Assim que acabou a sede começou a atacar. A cidade não estava tão longe, mas o sol inclemente fez a viagem parecer mais longa. Cheguei ao portal da cidade e pedalei mais um quilômetro para achar um restaurante aberto naquele domingo de sol. Achei. Tomei um litro e meio de água e abasteci meu estoque.
Faltavam 20 km até o destino final daquele dia. Nesse trecho pude curtir mais a paisagem, andando no meio da estrada, curtindo o verde mar ondulante de soja, que me lembraram as canas do Caminho do Sol e os trigais do Caminho de Santiago. Uma gostosa sensação de "pequinês" diante daquela imensidão que me encontrava.
Ainda era dia quando cheguei ao calçamento de pedra vermelha das ruas de São Nicolau. Cidade pequena e receptiva.
Após uma pequena atrapalhada para achar o Hotel, me estabeleci, tomei banho e fui ver as Ruínas mais livre de todas, está exposta em praça pública. Muito danificada na verdade. Seu destaque é o resto de ornamentado piso original.


Ruínas em praça pública - São Nicolau - RS

De Encarnación, no Paraguai até ali foram 291 km sem infra-estrutura de Caminho. A partir do dia seguinte eu estaria percorrendo uma trecho com estrutura peregrina, o Caminho das Missões, mais 170 km em três dias. Caminho que vai de São Nicolau até Santo Ângelo, passando por São Luiz Gonzaga e São Miguel das Missões.

Motivado, pois começaria o novo Caminho, desde o início, por terra. Afoito, esqueci de comprar algo para comer no trajeto.
Logo no início, pneu furado. Relutei, relutei, não teve jeito, tive que tirar toda a bagagem e arrumar o pneu na estrada, em meio ao mar de soja. Quando terminei, a fome estava gritando. Pedalei uns 11 km até encontrar a casa da Dona Irene, uma senhora muito simpática que junto com seu filho Rodrigo me atenderam super-bem, foi um oásis.
Enquanto almoçava, a chuva desabava lá fora. O tempo mudou muito.


Caminho Bonito, mas logo isso virou uma lama.


Por falar em chuva, antes de parar para comer, eu via as nuvens se desmanchando ao longe, em várias direções, ela até que demorou para chegar. Mas quando veio, casou-se com a poeira e deram a luz a uma filha porreta, a LAMA. Como tinha lama nesse percurso.

Lama.
Lama.
Muita lama. Lama pegajosa.

Eu andava dois metros e parava para tirar a lama do freio (v-break), do pneu, dos câmbios, da corrente. Era tanta lama que começou querer invadir meu ânimo e por pouco não entrou em minha Alma. Foram 4,5 km de lama em uma hora e meia de empurra, arrasta bike. Para ter uma idéia, caminhamos a passos normais 4 km por hora, eu de bike estava a 3 km/h. Terra Brasilis...

Estava receoso de chegar a São Luiz Gonzaga, pois desde a Argentina tinha notícias de epidemia de dengue por lá. Mas na hora (nove da noite) e no estado que cheguei à cidade, nem me lembrei do mosquito.

Cambaleando, empurrando a Bikona, me aproximei do Hotel Ipê e para minha surpresa:
- O Seu Cleber, o senhor fez boa viagem!? Nossa, você deve estar cansado. Vamos entra.
Eles já me esperavam e o atendimento que a Lemara e o Adelar prestaram a mim foi revigorante. Para completar, tomei um banho demorado. O caldo vermelho de lama não parava de cair do corpo.
Fui jantar no Malaguetta e me dei ao luxo de pedir um Salmão Grelhado com molho cremoso. Excelente e com preço justo!
No outro dia, pedalei até um posto de combustível na saída da cidade. Lavei a bike, tirei a lamaceira que tinha, lubrifiquei e decidi não ir por terra hoje. Voltei para a BR. Agora a BR-285.


O resultado do dia anterior, antes de lavá-la no Posto.

A paisagem quase monótona. Subidas e descidas constantes, mas com determinação, foco, chegaria à meta do dia. O acostamento dessa BR era bom, porém nas subidas longas ele desaparecia e ficava perigoso, o jeito era subir rápido. É bom ter um incentivo desses para subir, RSS... Incentivo de carretas a mais de 100 km/h passando a um metro e meio de mim.


Maluco de BR

Pedalei por 40 km e cheguei à entrada de São Miguel das Missões. Teria mais 16 km de estrada vicinal, mas em minha cabeça, eu achava que já tinha chegado e comecei a vacilar, pedalando rápido na descida, no meio da estrada.
Não era minha hora.
O motorista do caminhão foi muito ligeiro, não buzinou, apenas desviou. Se buzinasse, provavelmente eu assustaria e poderia cair na frente dele. “Sorte” que não haviam carros vindo na outra mão. Dessa vez foi por pouco. Depois de ver o caminhão passando todo torto parei no acostamento pasmado. Reorganizando meus pensamentos enquanto não parava de tremer.

Cheguei em São Miguel, fui até a Pousada das Missões. Que pousada. Tudo muito limpo, organizado e bonito. O quarto que fiquei era coletivo, como nos albergues do Caminho de Santiago, mas eu estava sozinho nele.
O Bistrô Tembiu (da Pousada) é excelente e barato. Comi uma Paella de frango e uma Polar de garrafa por R$ 19. Um detalhe curioso são as lembranças turísticas que um dos donos da pousada deixa exposto. São tantos lugares...
Em São Miguel tem um espetáculo de Som e Luz, que há mais de trinta anos é apresentado diariamente nas Ruínas. Fui até lá para conferir. Tendo em vista o pioneirismo do show, valeu a pena. Há uma arquibancada onde ficamos sentados vendo e ouvindo as luzes e sons que brilhavam e ecoavam no Patrimônio Mundial da Humanidade.
Voltando a falar da Pousada, fui tomar um “Senhor café da manhã”, o melhor de toda viagem. Conversando com um casal, elogiei a Pousada e disse que tinha o Padrão das outros Hostels que havia pousado em Portugal. Nesse momento um senhor, que também estava no café, entrou na conversa. Disse que já tinha visitado os Hostels de Lisboa também quando fez o Caminho de Santiago, era um peregrino. Aliás, era o dono da pousada, o donos dos souvenires do Bistrô. Seu Carlos fez sua dissertação de mestrado sobre o Caminho das Missões. O papo foi muito interessante. Só terminou quando tiramos fotos na porta de entrada, pouco antes de eu partir para o último dia de Caminho das Missões. Via asfalto, claro.

Estava uma garoa fina, sai assim mesmo, dei uma outra passada nas Ruínas mais bem conservadas de todas as Missões. Vi duas índias, mãe e filhinha. Conversei com um grupo de jovens gaúchos, que faziam um mochilão pelo Estado e fui pedalar os 16 km até a BR.


Ruínas de São Miguel das Missões - Patrimônio Mundial da Humanidade no Brasil - Unesco

Nesse trecho, foi interessante que um ciclista local, me passou e deu uma risadinha. A pesar de estar com uns vinte e sete quilos de bagagem, eu precisava de um motivo para acelerar o pedal. Decidi buscá-lo. Não durou duas subidas, antes de eu passá-lo ele forçava desesperadamente seu pedal. Olhava para trás, me via chegando, chegando, chegando. Depois, sumindo, sumindo, sumindo à frente dele. Foi legal ter uma “competiçãozinha” para aquecer.
Assim que cheguei na BR, parei no posto de combustíveis e almocei. O trecho de BR era parecido com o dia anterior. Os acostamentos de BR´s tem suas peculiaridades, nesse trecho, observava as pequenas flores que nascem ao longo do caminho. Há uma variedade muito grande.
Cortei caminho, passando por dentro de Entreijuis e finalmente vi um Belo monumento à entrada de Santo Ângelo, uma Pirâmide por completar Perfeitamente ornamentada. Pedi ajuda a um providencial transeunte e tirei a foto de chegada à cidade.


Entrada Sul de Santo Ângelo - RS

Na cidade, me “perdi” e acabei encontrando o Banco que buscava e depois fui recebido pelo Cláudio, à frente da Catedral Angelopolitana.
A estrutura e a gentileza dos organizadores do Caminho das Missões foi formidável. Obrigado: Cláudio, Romaldo e Estelamaris. Muito obrigado, um dia voltarei para fazê-lo a pé!
Fui jantar na Pizzaria Água na Boca, além de ótimas pizzas e cerveja gelada, têm uma decoração com riquezas locais, com relíquias e arte que a Leila me permitiu ver de perto.

Fim de role. No total foram 480 km, num total de 8 dias de pedal + um dia de pedal em Assunción.
Bora pra casa. Mais quase 23 horas de ônibus e cheguei em Jundiaí. Eu pretendia ir de lá até em Casa pedalando, seriam “só” mais 25 km. Com apenas dois quilômetros o bagageiro dianteiro quebrou novamente.
Solução, chamei minha irmã: – Nega, vem me buscar. Logo ela apareceu com o carro e me resgatou.
Na subida de casa e encontrei os amigos Roger e Gerson, trocamos umas ligeiras palavras e...
Lar doce lar.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Misiones Argentinas

Como disse no post anterior o El Jesuíta de San Ignácio Mini tinha um clima diferente. Tudo muito simples e rústico, mas de profissionalismo e cordialidade incríveis.
Com o problema da bike e algumas dores no corpo, decidi ficar um dia naquela cidade para sanar os problemas da bike e corpo, entre outros afazeres domésticos, como lavar roupas.

No dia seguinte fui procurar uma solução para o bagageiro dianteiro, ou um novo, primeira opção ou a solda. Na própria rua San Martin tinha uma oficina de bike, nada; na loja de bicicletas e casa de construção, nada; outra loja desse tipo, nada. Voltei ao albergue, peguei a bike e mostrei o problema para o tal mecânico e ele me indicou o Willy que solda alumínio. A princípio duvidei.

Fui lá, bem na hora da siesta e não fui muito bem recebido, tinha de voltar as três. Era o jeito.
Três e dez eu estava lá. O senhor de meia idade que antes me recebera sem camisa e me "disse" para voltar depois, agora era outra pessoa. De jaleco azul examinou o bagageiro e disse que tinha jeito sim.

Em uma hora e meia de papo e soldas, o bagageiro estava bom de novo. O Willy, na verdade é o pai do Otto (o soldador), que segundo seu filho, foi ele que criou a própria máquina de solda em 1966. O Pioneiro na Argentina, porém carente de registros. Inclusive a máquina que utilizou é completamente artesanal.

Bem achar um soldador de alumínio em uma pequena cidade foi bem mais que providência divina. Coisas assim nos dão motivação, como se fosse a voz dos parentes e amigos dizendo - É isso cara, vamo lá. Não desiste, não. Vai dar certo, força! O nome da oficina é bem apropriado: La Solución!

As ruínas de San Ignacio Mini não são tão grandes, ou preservadas como a de Trinidad (Paraguai), mas tem uma infra-estrutura turística a nos ensinar. Audio-guias em Espanhol, Inglês, Francês, Alemão e Português.


Ruínas de San Ignácio Mini - Argentina

A noite, fui visitar o espetáculo de Imagem e Som. Antes da viagem eu havia lido um pouco sobre as missões, vi o filme A Missão. Mas ali, naquele show em meio as ruínas, sob a lua cheia de fevereiro, pude sentir o drama Guarani.
O Show de Imagens projetadas em árvores, colunas de água e nas paredes das ruínas, unido a uma excelente qualidade de som, chegaram a emocionar seus visitantes.
Só para adiantar um pouco, com as imagens e sons, revivi o incêndio das Ruínas. Recomendo!


Uma parte do show noturno.

No final do ano, eu, meu irmão Lia e meu sobrinho Gabriel fomos comprar fogos em Louveira e na volta o Lia colocou o cd do Alan Jackson, e como sempre faz, contou a história dessa música, Thanks God for de Radio, que quando ele estava longe de casa o rádio lhe era o elo com seus familiares.
Ainda no El Jesuíta, consegui conexão e meu outro sobrinho, o Robertinho estava online. Disse a ele para avisar em casa e logo o Gabriel conectou e lá estava toda a família: o próprio Gabriel, a Mãe, a Nega, a Jaque, o Marcelo, a Noemi, a Mariele e a aniversariante do dia, a Letícia. Foi uma festa, me invejaram falando de costela no bafo e Skol, mas tudo bem. A Mãe estava um pouco tensa, era o meu segundo contato. O outro fora em Asunción.
Thanks God for the Internet!

No outro dia, acordei com uma Fiaca (preguiça) e sai super-tarde, 11:30. Além disso, parei num boteco para comprar água e comer alguma coisa, pois o café da manhã já tinha ido há tempos.
Pensando em poupar um pouco o bagageiro dianteiro, dos 6,5 kg que levava, tirei dois e meio e coloquei no bagageiro traseiro.
Estrada.
Mal entrei na estrada, uns 2 km e pá... quebrou a corrente. Mais uma vez, tranquilo por saber que era um problema ao meu alcance de solução, encostei a bike e substitui o elo que rompera.

Fui a Santa Ana, em ruínas mesmo e finalmente saí da Ruta 12 e peguei a Regional 3 e depois a 4, foram muitas subidas em degraus, a primeira foi uma imensa linha reta de subida ondulante de 5 km. O dia foi duro, mas administrável. Leandro N. Além, a cidade de destino ficou uns cinco quilômetros após a divisa do município.

Já noitinha, oito e pouco, vi uma das cenas mais lindas desse caminho. Parei, sem enxergar muita coisa, empurrava a bike pelo acostamento quando vi, entre os troncos de pinheiros a gigante lua cheia amarela. Linda. Lindíssima que a máquina fotográfica não conseguiu registrar mas estará para sempre nas retinas de minha memória.

De Leandro N. Além, continuei pela Regional 4, que deveria chamar-se Rodovia dos Botecos Fechados. De longe, você vê o bar, num calor recorde de 43 Graus, louco de vontade de tomar algo gelado, vai encostando, encostando, desse da bike, tira as luvas e o capacete e todo feliz olha para o bar e... fechado. Foram vários desses, com o tempo, nem me iludia mais. Via um buteco e já sabia, fechado. Foi assim até a entrada de San Javier, quando à 7 km de chegar vi um boteco aberto, tomei mais de um litro de refrigerante gelado.

A última cidade dentro da Argentina seria San Javier e para minha sorte, naquela noite teria Carnaval.

O Carnaval Argentino deveria chamar-se Festa do Brasil. Como o Saint Patrick Day nos EUA é uma festa à Irlanda, ali o carnaval é uma festa em homenagem ao Brasil.

Músicas brasileiras era quase cem por cento e sem distinções, música sertaneja ao ritmo de carnaval, o vira dos Mamonas com sotaque argentino. Enfim foi uma boa despedida da Argentina. Tinha até uma Escola de Samba chamada Sapucay, mas a pronúncia que era engraçada, parece que falam: sapo cai.

Na manhã seguinte, corri até a balsa, cruzei sem problemas o Rio Uruguai e vi a placa da aduana brasileira:
BEM VINDO AO BRASIL.


Cruzando o Rio Uruguai entre San Javier e Porto Xavier

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Misiones Paraguayas...

Chegar até Encarnación até que foi "fácil"...
Foram só Uma hora de carro, uma hora e meia de espera, 23,5 de São Paulo a Asunción, +24,5 em Asunción (um giro de 22km pela cidade, jogo do Cerro Porteño no Defensores del Chaco), +6 horinhas de ônibus e finalmente cheguei em Encarnación.

O "Comissário de Bordo" do omnibus, que em Asunción me cobrou G$ 30.000 (con descuento) para por a bike no bus, me perguntou:
- Todo listo?
- Si. Si.
- Adios(!?).

Por preguiça, pensei, não coloquei a bike no malabike. Apenas o usei para proteger a bike que foi encima de um pneu que estava no bagageiro.
Hora de arrumar a bike.
Sem apoio, ajuntei as traia de trás perto da traseira da bike, e as da frente perto da frente, beleza! (?)
Assim fui. Alforge traseiro (mochilas que vão ao lado da roda traseira): um velcro, outro, outro e outro. Uma, duas, três, quatro fitas. Segurando a bike com as pernas peguei o Top Bag (mochila que vai encima do bagageiro traseiro) e...
- Cadê o malabike? Putz, ficou no ônibus...

Me surpreendi com minha atitude, uma tranquilidade incrível.
Perguntei ao senhor que vendia Chipia (uma rosquinha parecida com pão de queijo com erva doce, muito bom) se o ônibus iria para alguma garagem e ele me disse que seguiria até Maria Auxiliadora (outra cidade) e que talvez voltasse ali perto da meia noite. Ele me indicou o quiosque da empresa de ônibus.
Fui até lá, falando em Espanhol com o atendente que fez uma cara de: "Coño, ahora me viene este con trabajo para mi."
Para demonstrar mais sua cordialidade, conversou com a tripulação do ônibus em Guarani e simplesmente me disse para esperar o ônibus na rotatória da Avenida Caballeros. "Y ya está!"
"Para Jesús nada es imposible" dizia um cartas atrás dele, acho que ele não leu.

Bem para quem achava que não tinha nada para fazer, a não ser curtir a cidade, que por sinal é muito agradável, achei muito o quê fazer:
- achar um mapa da cidade para encontrar a tal avenida;
- achar a tal rotatória na avenida;
- achar um lugar para dormir que aceite a bike;
- achar uma oficina de turismo para saber mais sobre as Missões.

Rodeando o Terminal para ver se achava a tal oficina de turismo, mesmo que fechada, vi um cara com a cara do Claudião de TI da Nexans. Pensei, deve ser gente boa, e era.
O cara simplesmente resolveu todos aqueles pseudo-problemas: me deu um mapa, arrumou um hotel bom, barato e que aceitava a bike, me deu informações sobre as Missões e ainda por cima, recuperou a capa da bike. Seu nome, Isidro. As 23:15 eu estava com o malabike nas mãos. Além disso, ele ainda me informou que eu teria que ir uma cidade além de Oligado para cruzar o rio futuramente.

Bom início! Do nada, um problema completamente meu, foi resolvido pela ajuda de várias pessoas que há horas atrás eu nem imaginava conhecer. Verdade, "nada es imposible".

Na manhã seguinte, 15 de fevereiro; encontrei e fui reconhecido por um brother; fui me despedir do Isidro e iniciei a Rota Jesuíta.
Antes de sair da cidade, quis visitar a Ponte Internacional São Roque Gonzales. No caminho fui abordado por Gino Miguel, um jornalista local que ficou interessado em saber por que estava com uma bicicleta toda carregada daquele jeito. Bem, valeu uma pequena entrevista, que ele disse sairia na Rádio local, FM 102.5 e num periódico semanário. Vixi, quando sai dali eu só faltava explodir de felicidade, realmente me sentindo por estar sendo notícia local, melhor, internacional.

Vi a tal ponte que mescla riqueza e esperança acima e pobreza e miséria embaixo, não bem embaixo da ponte, mas perto de sua base, pedalei por uma espécie de favela paraguaia. Perguntei de onde dava para ver melhor a ponte, me indicaram, tirei umas fotos, ninguém mexeu comigo. Pelo contrário: Buen viaje!

Hora de estrada, eu pretendia ir até Trinidad (30 km), de lá, ir e voltar a Jesús (+24 km). Quando sai da cidade já tinha pedalado 9 km dentro dela.

Entre Encarnación e Trinidad, pela Ruta 6, há muitas subidas e descidas leves, o asfalto é bom e o acostamento é largo.

No meio do caminho um policial me parou, acho que foi por pura curiosidade. Só me perguntou de onde vinha, para onde ia, da onde era, etc. Enquanto isso, motoristas sem cinto de segurança, motoqueiros sem capacete, passavam a vontade. Cuidam das formigas, mas os elefantes passam.

Finalmente Trinidad, era finalmente mesmo, não iria para Jesús naquele dia, o corpo de atleta (valeu Ronaldo), não me permitiu ir além.
Boa notícia, poderia acampar ali.
Descarreguei a bike.
Montei acampamento.
Fiz um almoço. Eram três e meia e estava faminto.
Fiz um suco que mãe mandou.
Hora de ver a primeira ruína. Queria tirar uma foto com a bike, não foi possível, um "educado" policial me disse: "Saca, saca, saca tu bicicleta de ai. Andale."
"Si. Si. Ya me voy." Respondi. Acho que meu rosto de felicidade o ofendeu. Desculpa ae.
Voltei, guardei a bike e subi de novo. Muito bonito. A antiga casa dos índios, nem tanto, mas a igreja principal é fantástica. Bem trabalhada. Mas ainda estava cansado. Não consegui curtir legal.
Desci, montei a rede, cochilei um bom tempo. Acordei, vi o sol baixando, baixando.
- Putz, vou subir agora para ver as Ruínas com as luzes do Por do Sol. Mais lindo ainda.


Redução Jesuíta de Trinidad - Paraguai

No outro dia, 16/02, acordei com a claridade do dia. Comi um pãozinho e dos 12, 11 eram de subidas em degraus. Sobe, sobe, sobe, desce um pouquinho, sobe, sobe, sobe... até Jesús. Lá encima algo na bike me incomodava, o alforge dianteiro estava pegando nos aros e pneu.

Tentei arrumar e resolvi visitar as ruínas de Jesús primeiro. Menos conservada que as de Trinidad. Fiquei pouco tempo ali, tinha muito chão para rodar nesse dia.
Resolvi o problema do alforge. Usei a aranha azul de motoqueiro que meu irmão Becão me deu.
A subida levou uma hora e a descida menos de quarenta minutos.

Um problema que tive em Trinidad, não havia Cajero (Caixa Eletrônico). Talvez haveria um em Hohenau.
Nada feito.
Agora em Obligado, uma cidadezinha à margem da rodovia.
Um menino de doze anos, o Brendo me levou a um banco, Não tinha cajero neste banco, voltei a cidade e finalmente achei o cajero. Estava quase sem nada, mas um quase sem nada o suficiente para cruzar a fronteira.

Para cruzar a fronteira teria que ir até Bella Vista e de lá pegar uma longa avenida de 8,5 km, trilha sonora, EngHaw e quando tocou Parabólica, lembrei da Sara e senti saudades, Princesinha Sarabólica.

Finalmente o Porto, a Balsa, outra entrevista. Tô ficando importante.

Liberado no Paraguai, subi na Balsa para cruzar o Rio Paraná. Esse rio que tem águas lá da cachoeirinha da Placa, que foi para o Ribeirão das Lavras, que virou Rio Juqueri-Mirim, que virou Tiete, que cruzou o Estado de São Paulo para virar Rio Paraná. O mesmo que estou levando apenas 8 minutos para cruzar de balsa.

Argentina, no problems para ingressar.

Saída da fronteira, 3 km de subida de terra., primeiro pueblo, Corpus, pela primeira vez me ofereceram o Terêrê, Mate com água gelada.

De Corpus, pela Regional 6 fui até a "Ruta" 12 (oh... estradinha ruim), o asfalto uma lástima, sem acostamento pavimentado, que as vezes era de pedra, outras vezes terra, depois era só mato mesmo.

Conclusão aumentou trepidação e ouvi um barulhinho estranho, que me lembrou Coimbra. Dito e feio era barulho de aluminio no pneu. O bagageiro dianteiro quebrou, na verdade soltou as soldas. Desespero? Que nada.
Tranqüilo. Na verdade, resignado. Arrumei a bagagem no bagageiro traseiro e o Top Bag virou mochila nas minhas costas e simbora. San Ignácio estava logo ali. Esse logo ali, foi cansando e cheguei a me perguntar: quê que eu estou fazendo aqui? Ainda não achei a resposta, acho que essa deve ser a graça disso tudo. Não saber o que está fazendo, apenas estar fazendo.

Mais uma subida e desisti de seguir pedalando, empurrei. Olhá que só faltavam 500 metros para a entrada da cidade e eu não sabia, Subi empurrando os últimos metros dos mais de 77 km que fiz nesse dia.

Queria uma cama para dormir, cheguei no albergue & camping e não havia quartos, mas o clima do El Jesuita eera tão bom que fiquei ali mesmo. Montei barraca, tomei um bom banho e estava refeita minha dignidade.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Paraguai, Argentina e Rio Grande do Sul - Brasil - Missões Jesuítas by BiKona

A primeira vez que ouvi a palavra Missão, claro que foi no filme do Rambo, que quando pequeno, era fissurado.

Mas sobre as Missões Jesuítas, por falta de cultura só fui prestar um pouco de atenção, quando estava fazendo o Caminho de Santiago em 2006.
Nesse Caminho, que fiz a pé, andei bem uma semana sem encontrar brasileiros, mas em Puente La Reina eu encontrei três de uma vez, o Eris (Peregrino que fez a pé de Roma até Fátima uns 3500 km), o Nelson e a Carmem.
Certo dia, estávamos numa Plaza de Estella, quando observei que a camisa do Nelson era do Caminho das Missões, achei bem legal a história que ele contou.
Bem guardei esse sonho de Caminho na gaveta.

Em novembro passado, sem poder pedalar ou correr, estava quase ficando louco.
No dia de finados resolvi fazer uma caminhada, que chamo de Circo-Ponunduva, são 25 km de bons ares, paisagens, subidas e descidas. Nesse dia, veio a tona a probabilidade de fazer o Caminho das Missões em 2011. Dia 4, esbocei um Plano de viagem e logo me desmotivei, mas arquivei o que tinha feito.

Decidido a voltar a estudar depois de 9 anos sem estudos formais. No fim de Janeiro pensei: falarei com o Marcão (meu chefe) e se ele liberar as férias para o final de fevereiro, vou fazer as Missões antes do início da Pós. Deu certo.

Data definida, comecei a Planejar de verdade.

Tenho um propósito, conhecer as Missões nos três países, Paraguai, Argentina e Brasil.

Estudei as rotas, uma dica aqui, outra ali e saiu o esboço:

- No Paraguai: Asunción, Encarnación (início do pedal), Trinidad, Jesus Tavarangue;
- Na Argentina: Posadas, San Ignácio Mini, Santa Ana, San Javier;
- No Brasil, Rio Grande do Sul: Porto Xavier, São Nicolau, daí pra frente, seguirei o Caminho das Missões, passando por São Luiz Gonzaga, São Lourenço, São Miguel até Santo Ângelo.




Previsão de sete à nove dias de pedal. Espero que a canela aguente...